Pilar L Provável EQM
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Descrição da Experiência:
Tive uma infecção de amígdalas com 42º de febre e estive em coma. Recordo que eu
assistia a todo o processo desde algum lugar no alto do teto da habitação e via
o meu tio, pediatra, ajoelhado à cabeceira da cama chorando enquanto acariciava
a minha testa com a sua mão. Bem sabia que aquele era o meu corpo mas sentia
total indiferença por ele, como se não me pertencera. Os meus avós maternos
estavam aos pés da cama e choravam, os seus corpos reflectiam-se no espelho do
armário que estava detrás deles, a avó ia vestida com um traje negro bordado com
azeviches e encaixes no peito que a mim me gostava muito aquele vestido. Entrou
o meu pai, também médico, vestido com uma gabardina daquelas dos anos 40, de cor
claro, grandes lapelas, cruzada e com um cinturão da mesma tela, e dizia que ia
a Tui, à fronteira com Portugal, porque uns colegas do Porto lhe iam a dar uma
medicina que podia curar-me. O avô insistiu reiteradamente que fosse no seu
carro com o motorista porque ele não podia ir a conduzir sozinho naquele estado
de preocupação em que se encontrava. Eu ouvia a minha mãe a chorar de longe e
seria a voz da minha tia, sem dúvida, a consolá-la, penso agora.
Depois recordo que me encontrava num estado de felicidade e liberdade totais,
rodeada de um Amor infinito, não sei como descrevê-lo, não há palavras. Só sei
que o meu corpo não me importava nada, nem sequer para ele olhei. Mas, pronto,
alguém estava molhando os meus lábios intentando dar-me água, e engasguei-me,
então sentaram-me na cama e eu gritava para que me deixassem em paz, sabia que
queriam fazer-me voltar, eu gritava ¡não quero, o corpo dói!, se não me quereis
porque tenho que voltar, não quero, o corpo dói!, mas eles não me ouviam e
alguém deu uma forte palmada entre as minhas omoplatas destroçando
as minhas asas.
E
abri os olhos, e puseram-me penicilina, e curou-se a infecção, mas a mim me
haviam privado das minhas asas....
Recentemente segui uma terapia regressiva durante a qual pude recordar as
circunstâncias que me haviam levado a adoecer e compreendi que a minha mãe me
queria apesar de que ela houvesse preferido que eu fosse o desejado varão depois
das duas meninas e que eu era uma hiperactiva que a tinha permanentemente
preocupada pela minha integridade física acabando com a sua paciência algumas
vezes. E que ao nascer o meu irmão os meus avós se ofereceram a cuidar de mim na
sua casa, aonde adoeci, para que ela pudesse ocupar-se do bebé sem a minha
presença fazendo traquinadas pelo meio. Mas eu vivi sempre com a recordação das
minhas asas e desse Amor infinito e liberdade plenas.
Depois de tudo o que eu li acerca destas experiências dei-me conta de que as
crianças as vivem dum modo muito mais simplificado, como eu, porque todavia são
seres carentes de prejuízos e pontos de referência culturais como os adultos. Um
problema que podem ter as crianças que passaram por isto e o recordam é que nada
os crê e isso não é o pior senão a sensibilidade, “o corpo dói”, mas dói também
por dentro, mentalmente, já que depois é enormemente lúcido e te custa
muitíssimo viver rodeado de contradições ou de mentiras e enganos. Sentes-te
como um bicho raro, sentes-te como um marciano durante toda a tua vida.
Género:
Feminino
Data em que ocorreu a EQM:
Dezembro de l.945
Na altura da sua experiência, houve algum
acontecimento associado a uma ameaça de vida?
Não
Doença
Elementos da EQM:
Como considera o conteúdo da sua
experiência?
Maravilhosa
Sentiu-se separado(a) do seu corpo?
Claramente deixei o meu corpo e existia fora dele
Como é que o seu mais elevado nível de
consciência e de alerta durante a experiência se comparam com o seu normal e
diário nível de consciência e de alerta?
Mais consciente e alerta que o normal. Isto
o analiso agora perante a sua pergunta, o meu corpo e cérebro tinham cinco anos
somente mas o meu estado de consciência, não sei como explicá-lo, não tinha nada
que ver com essa circunstância, era ''total'', era um estado de liberdade e
lucidez tais que não posso explicá-lo com palavras.
Em que altura durante a experiência
estava no seu mais elevado nível de consciência e de alerta?
Todo o tempo até que me deram uma palmada nas minhas costas e voltei.
Os seus pensamentos foram acelerados?
Incrivelmente
rápidos.
O tempo pareceu acelerar ou abrandar?
Tudo pareceu acontecer de uma só vez; ou o tempo parou ou perdeu todo o
significado. Uma criança de cinco anos todavia não percebe estas coisas, há-de
aprendê-las, não?
Os seus sentidos estavam mais vividos que
o normal?
Não.
Será que a sua visão de alguma forma
diferente do normal?
Não.
Sua audição diferia
de qualquer forma da
normal?
Não.
Pareceu-lhe que tinha consciência de
coisas que se passavam noutro lado?
Sim, e os factos foram verificados.
Passou por ou através de um túnel?
Não.
Encontrou ou teve consciência de algum
ser falecido (ou vivo)?
Não
Viu, ou sentiu-se rodeado(a) por uma luz
brilhante?
Uma luz de origem claramente mística ou de outro mundo.
Viu uma luz não terrena?
Sim.
Eu ESTAVA na Luz. Eu ESTAVA no Amor.
Eu ERA liberdade e felicidade.
Pareceu-lhe entrar num outro mundo não
terreno?
Um reino claramente místico ou não terreno.
Que emoções sentiu durante a experiência?
Absoluta liberdade, Amor e Felicidade.
Teve uma sensação de paz ou de
agradabilidade?
Paz ou agradabilidade incríveis.
Teve um sentimento de alegria?
Alegria incrível.
Pareceu-lhe de repente que entendia tudo?
Tudo
acerca do universo.
Cenas do seu passado vieram até si?
O meu passado passou rapidamente diante de mim, fora do meu controlo.
Cenas do seu futuro vieram até si?
Cenas do futuro do mundo.
As vezes me passam essas coisas, desde menina, mas como me dava
medo e era muito rara eu bloqueio bastante.
Alcançou um limite ou uma estrutura
física limitante?
Não.
Chegou a um limite ou ponto de não
retorno; Teve escolha de ficar lá ou voltar para o seu corpo terreno?
Cheguei a uma barreira que não me foi permitida atravessar; ou fui enviada de
volta contra a minha vontade.
Deus, Espiritual e Religião:
Qual era a sua religião antes da sua
experiência?
Impreciso.
Estava a ser educada no Catolicismo.
As suas práticas religiosas mudaram desde
a sua experiência?
Não .
Qual é atualmente a sua religião? Liberal.
Sou de princípios cristãos.
Teve alguma alteração nos seus valores e
crenças devido à sua experiência?
Não.
Pareceu-lhe encontrar um ser místico ou
presença, ou ouvir uma voz não identificável?
Encontrei um ser definido, ou uma voz claramente mística ou de origem não
terrena.
Viu algum ser na sua experiência?
Na realidade vi-os.
No que respeita às nossas vidas
Terrenas que não seja a Religião:
Durante a sua experiência, obteve algum conhecimento ou
informação especial acerca do seu propósito?
Sim.
A
experiência dotou-me duma sensibilidade ou lucidez para perceber os sentimentos
e intenções alheias e creio que aos meus 64 anos estou quase a chegar ao final
das perguntas que me fiz toda a minha vida porque ninguém sabia respondê-las.
As suas relações mudaram especificamente
devido à sua experiência?
Não.
Após a EQM:
A experiência foi difícil de expressar em palavras?
Sim.
Era
demasiado pequena para assimilar a experiência e poder entendê-la e contá-la
ainda que tenha marcado toda a minha vida porque nunca pude esquecê-la.
Após a sua experiência, tem algum dom
psíquico, não-comum ou outro dom especial que não tinha antes da experiência?
Sim.
Há alguma, ou várias partes da sua
experiência que são especialmente importantes ou significativas para si?
O
momento em que me fizeram regressar, eu não queria.
Alguma vez partilhou esta experiência com outros?
Sim.
Com
a terapeuta que me ajudou na terapia regressiva porque eu me havia submetido a
Psico-análise e ao chegar a esse ponto da minha infância o Psico-analista
interpretava como fuga da realidade o sucedido, que o era realmente, mas a mim
não me servia somente com isso, com certeza não me atrevi a contar-lhe tudo,
para não ouvir da sua boca que estava muito grave mentalmente e tinha que
embutir-me de fármacos para não ter visões, não sei se me explico.
Antes da sua experiência tinha algum
conhecimento de experiências quase-morte (EQM)?
Não.
O que acreditava acerca da realidade da
sua experiência logo após (dias ou semanas) ela ter acontecido?
A experiência foi definitivamente real.
Agora no que acredita acerca da realidade
da sua experiência?
A experiência foi definitivamente real.
Em algum momento da sua vida, alguma vez reproduziu
qualquer parte da experiência?
Sim.
Escutando
música ou dormindo uma sesta.
Há mais alguma coisa que gostaria de
acrescentar acerca da sua experiência?
Gostaria de conhecer seres humanos como eu. Sempre me senti muito só.
Mentalmente, anímica mente, filosoficamente. Espiritualmente quiçá.
Há mais alguma questão que possamos
formular para a ajudar a relatar a sua experiência?
Para mim foi extraordinário encontrá-los já que estes estudos somente se faziam
em países de fala anglo-saxónica. Facilitou-me o contacto com uma amiga que se
fez minha amiga através de um prémio que ganhei de relatos relacionados com a
morte. Ela estava em dor pela morte de um irmão e agora comunicamos através de
e-mail. Comprovo uma vez mais que as casualidades não existem.