EQM de Valéria ABP
|
Descrição da Experiência:
Eu estava no banco do passageiro em um carro que meu namorado dirigia, na
estrada. Era uma noite de muita chuva, havia trânsito na estrada por se tratar
de uma rodovia de retorno na praia para a capital, São Paulo. Havia um cachorro
no banco de trás. O último movimento que eu fiz e me recordo foi pegar minha
bolsa que estava no banco de trás, colocá-la no colo e abri-la para pegar um
pente para pentear os cabelos, que estavam molhados do banho. Eu baixei o
espelho para isso. Depois não me lembro mais.
'Acordei' ouvindo um som abafado de pessoas fora do carro. Alguém gritava 'tira a bolsa do colo dela, tira a bolsa do colo dela'. Eu gritava porque meus pés foram quebrados e o chão do carro levantou sobre eles. Eu não conseguia me mexer porque o corpo do meu namorado estava sobre o meu, me pressionando, com parte do carro sobre ele. Eu escutava seus gemidos. Parte do corpo dele e do seu rosto estavam colados em mim. Eu não conseguia me mexer, embora não tenha tentado exatamente, mas tive a sensação de imobilidade total. Essa lucidez teve frações de segundos, eu compreendi o que estava acontecendo, e então uma consciência diferente da que conhecemos como mente afirmou dentro de mim 'ah, eu estou morrendo. Eu estou morrendo'. Eu senti uma entrega muito grande, uma paz por aquele momento, e 'pensei': 'eu quero que a minha família saiba que eu estou indo em paz'. E vi a imagem de cada um da minha família, meus 3 irmãos e meus pais. A imagem de cada um veio e eu sentia 'que eles saibam que estou indo em paz'.
E deslizei em um túnel de luz branca, irradiante, que não era um cilindro
exatamente, mas o foco de luz tinha uma projeção. E eu deslizei com uma sensação
de ser consciência pura, não era mais o meu corpo ou meu eu como conhecemos aqui,
era uma sensação de diluir-se e integra-se a uma consciência maior, uma volta à
vida em seu estado puro, uma sensação de paz profunda e leve, de beleza, de
leveza, embora todas essas características definam algo terreno, humano,
palpável, nada tem a ver com prazer físico, porém é como consigo descrever e
aproximar a visão e as sensações ao máximo para que seja inteligível ao que
conhecemos. Eu me fundi nesta luz. Quando acordei, ainda não conseguia me mexer.
E lembrei que eu havia sonhado uma semana antes que eu tinha morrido em um
acidente de carro. E raciocinei na hora: 'Ah, é. Eu morri'. Fechei os olhos. Mas
eu ouvi vozes. Abri de novo os olhos, tentei me mexer, não conseguia, virei a
cabeça e via tudo branco, paredes, teto, não compreendi onde eu estava. Quando
consegui levantar um pouco a minha cabeça para frente, vi duas pessoas, e uma
delas disse: 'Ela acordou, vamos ter que colocar no lugar'. Eu vi meu pé
esquerdo 'pendurado', o médico pegou o tornozelo e fez o movimento brusco para
reposicioná-lo. Eu gritei de dor e desmaiei. Este momento deve ter sido logo
após de ter chegado no hospital. Acordei horas depois em um quarto, e um
policial chegou fazendo perguntas e eu lembrava de tudo: nome de familiares,
estava lúcida apesar das fraturas, cortes, falta de ar etc.
Na altura da sua experiência houve algum acontecimento associado a risco de vida?
Sim
Foi
um acidente de carro, eu fiquei presa nas ferragens e tive um pneumotórax.
Foi difícil expressar em palavras a experiência?
Impreciso
Para explicar necessariamente usamos
figuras de linguagem e recursos da língua e das imagens que conhecemos aqui.
Porém a experiência não é exatamente assim. As palavras e imagens que conhecemos
são limitadas, reduzem o que vi e senti. Mas não há como descrever porque as
formas e sensações são diferentes das que vivemos aqui. É possível apenas
aproximar a ideia em palavras e representações.
Qual a comparação entre o seu maior nível de consciência e de alerta durante a
experiência e o seu nível de consciência e de alerta normais no seu quotidiano?
Mais consciente e alerta que o normal
Quando
a consciência de que eu havia morrido se revelou. Foi uma consciência de uma
clareza inexplicável. Não tinha caráter de aviso, e sim de consciência da morte,
de estar no estado da morte.
É uma consciência diferente do raciocínio
lógico mental, é uma amplitude de um campo de energia que não é físico, e
abrange para além do corpo a existência por si só, como a ideia do Cosmos. Uma
consciência da existência como infinito, sem começo ou fim.
Por favor, compare a sua visão durante a experiência com a visão diária que
tinha imediatamente antes da experiência.
A visão como sentido não existia, a visão se fundiu com a consciência e era como
seu eu visse através dessa imensa tela mental da grande consciência.
Por favor, compare a sua audição durante a experiência com a audição diária que
tinha imediatamente antes da experiência.
Não ouvia nada, era um silêncio profundo e absoluto como se fosse além do
silêncio.
Viu ou ouviu quaisquer acontecimentos terrenos que aconteciam durante o tempo em
que a sua consciência/percepção estava separada do seu corpo físico/terreno?
Não
Que emoções sentiu durante a experiência?
Entrega, amor, profunda paz, serenidade, profunda gratidão, felicidade plena.
Passou através ou por um túnel?
Sim
era
um foco de luz translúcida, e a sensação de deslizar nela dá a ideia do túnel,
embora não fosse um 'local' com abóbada exatamente. A ideia é a de um túnel
porque a luz segue para um horizonte como um foco de projetor. Mas a própria luz
é o túnel, ele é a luz.
Viu uma luz não terrena?
Sim
A
luz era translúcida, mas muito forte, intensa e seguia para um horizonte
infinito. A ideia é que ela me tragava e eu deslizava nela, mas a sensação é de
estar se tornando ela, se fundindo.
Pareceu encontrar um ser ou uma presença mistica, ou ouviu uma voz não
identificável?
Não
Encontrou ou teve consciência de quaisquer seres falecidos (ou vivos)?
Não
Teve consciência de acontecimentos passados na sua vida durante a sua
experiência?
Sim
Em um
tempo muito rápido foi como se eu tivesse visto minha história de vida, minha
família e aquele momento presente. Não foram muitas imagens, elas eram fundidas
na ideia de que a vida tinha sido tudo aquilo e terminava ali. A imagem mais
nítida foi de cada um da família nuclear, pai, mãe e 3 irmãos.
Pareceu-lhe entrar num outro mundo não terreno?
Um
reino nitidamente mistico ou sobrenatural/não terreno
A luz na qual eu me fundia como consciência dava a sensação, nessa descrição
possível em palavras, de fundir-me ao Cosmos, à integrar-me à vida plena das
partículas, como se minha consciência antes individualizada em um corpo e um eu
se tornasse o Todo, a Vida, a grande consciência que é tudo.
O tempo parecia acelerar ou abrandar?
O
tempo parecia acelerar ou abrandar mais que o habitual
O
tempo se transformou em outra medida. Era rápido, extremamente rápido se
comparado ao que entendemos como tempo aqui, e lento, extremamente manso quando
vivenciado como fusão do meu ser e da luz.
Parecia que, de repente, você entendia tudo?Tudo
sobre o universo
Era
um entendimento de que a vida se torna consciência pura, volta para a natureza
em sua origem, uma compreensão do fim do corpo físico e retorno à origem.
Alcançou uma barreira ou estrutura física limitante?
Não
Viu cenas do futuro?
Não
Teve a sensação de conhecer uma sabedoria especial ou propósito/desígnio?
Sim
A
sabedoria de que viemos da luz e iremos para a luz, essa consciência maior sem
limites, sem forma, que une atributos como paz, amor, serenidade, entrega,
unidade com a vida em todos os seus sentidos. Como se depois da morte física
tornar-se luz novamente fosse um voltar para a casa.
Por favor descreva quaisquer mudanças que possam ter ocorrido na sua vida após a
sua experiência:
Large
changes in my life
Depois da experiência eu passei a conhecer e me interessar por outras e
diferentes religiões, tradições e filosofias espirituais.
Teve quaisquer mudanças dos seus valores ou crenças após ter ocorrido a sua
experiência, como resultado da mesma experiência?
Sim
Eu
me apeguei mais à vida e passei a valorizá-la mais.
Tem algum dom psíquico, não-vulgar ou outros dons especiais após a sua
experiência, que não tivesse antes da experiência?
Sim
Durante
o sono eu vou para lugares que não conheço, muitos se parecem com locais onde as
pessoas estão se tratando. Durante o sono eu tenho comunicação com pessoas que
já morreram. Durante o sono vou para outros lugares. Durante o sono eu leio em
uma espécie de tela mental histórias que não conheço, como se estivesse lendo um
livro. É uma linguagem que não é habitual do tipo de livros que leio, não é uma
linguagem que eu costumo usar e sao histórias muito bonitas que eu nunca escutei.
Considero também que tenho uma percepção extrassensorial extremamente apurada.
Não é corriqueiro, mas eu ouço e vejo o que considero espíritos, e já ouve
interação direta embora poucas vezes. E sinto campo energético e espiritual com
muita facilidade. Considero que tenho facilidade em desdobramento, por exemplo
entro em estado de meditação com certa facilidade.
Alguma vez partilhou esta experiência com outros?
Sim
Demorei
19 anos para comentar com alguém. As pessoas reagem com estranheza, uma certa
dúvida se é o que eu conto é verdade ou criação, algumas simplesmente
compreendem, mas não considero que alcançam a dimensão da importância que
realmente tem para mim.
Tinha algum conhecimento de experiências de quase-morte (EQM) antes da sua
experiência?
Não
Em que é que acreditava acerca da veracidade da sua experiência, logo após (dias
a semanas) a mesma ter acontecido:
A experiência foi definitivamente real
Eu
sempre entendi que a minha experiência foi definitivamente real, mas era tão
forte tão intensa, tão diferente de tudo que eu já havia escutado que eu não
tinha coragem de contar às pessoas.
Actualmente, em que é que acredita acerca da veracidade da sua experiência:
A
experiência foi definitivamente real
Eu
tenho plena certeza que ela foi real, porque a experiência e a lembrança se
mantiveram comigo todos os dias da minha vida desde aquele momento. É algo que
nunca esqueci e a impressão celular, emocional e espiritual que a EQM deixou é
para mim palpável.
Os seus relacionamentos alteraram-se especificamente como resultado da sua
experiência?
Não
As suas crenças religiosas/práticas espirituais alteraram-se especificamente
como resultado da sua experiência?
Sim
Em
seguida ao acidente de carro, na fase de recuperação, eu fiquei hospedada na
casa de uma tia onde se praticava o Evangelho no Lar, uma prática que os
kardecistas fazem em casa. Eu estava em uma cadeira de rodas, com os pés
engessados, um braço engessado, cortes por todo o corpo, não me mexia, e a
família colocava a cadeira de rodas na mesa onde eles se reuniam para a prática
toda sexta-feira sem me consultar se eu queria ou não. E eu me interessei, eu
gostava. Quando voltei a andar passei a frequentar centro espírita, não com
frequência como uma religião que sigo, mas passei a ler e estuda sozinha. Dali
em diante passei a me interessar pelas culturas orientais e suas tradições
religiosas, e até hoje me interesse, estudo e pratico alguns ritos de religiões
e tradições diferentes.
Em qualquer momento da sua vida, houve algo que tivesse reproduzido alguma parte
da experiência?
Sim
Em algumas
experiências de meditação houve em parte a sensação de fundir-se com o Cosmos,
com uma Luz e transformar-me em consciência, mas de uma forma muito limitada em
comparação com a experiência de quase morte si, sendo que uma consciência
corporal e do mundo físico me ligava à mente que entendia estar vivendo uma
experiência paralela, e não a experiência plena em si, como da EQM - que não
tinha mais corpo físico.
As questões apresentadas e a informação que providenciou descrevem a sua
experiência exaustivamente e com exactidão?
Sim
Dentro
do que é possível explicar em palavras, com a limitação das palavras, sim. Porém
as próprias palavras e ideias como as concebemos são reducionistas para explicar
exatamente a experiência. A verdade é que é difícil explicar em palavras, são
conceitos que não são nomeados ou concretos.
Há outras perguntas que possamos formular para ajudá-lo(a) a relatar sua
experiência?
1 - você fez alguma mudança na sua vida em função da EQM? 2 - você mudou de
profissão por causa da EQM, escolheu uma profissão em função da EQM? 3- Como a
experiência impacta na sua vida atualmente? 4 - Se você aprendeu algo especial
com a experiência, este aprendizado foi mudando ao longo do tempo? 5 - Você
considera que as pessoas têm preconceito quando você menciona a experiência? Por
quê?
Há alguma ou várias partes da sua experiência que é/são especialmente
significativa(s) ou importante(s) para si?
O
mais especial para mim é a sensação de entrega total e aceitação com muito amor
da condição da morte, e de ter me sentido sendo sugada pela luz que era boa,
compreendendo que eu me transformaria no Todo.
Há mais alguma coisa que gostasse de acrescentar acerca da sua experiência?
Eu gostaria de acrescentar que é sempre muito forte falar sobre isso. Mesmo que
repetir a mesma coisa, são lembranças que tocam sentimentos muito profundos e
liberam uma emoção muito forte. É uma emoção boa, uma sensação de ter tocado a
morte, a vida após a morte, e ter voltado. E isso é uma ideia concreta muito
complexa que toca profundamente todos os níveis do meu ser.
Gostaria também de dizer que passei a me interessar pelo trabalho de cuidar das
pessoas que estão em processo de morte e seus familiares, porque minha
compreensão da morte, o fato de não ter medo por tê-la vivido, me faz preparada
para ajudar as pessoas a morrerem melhor, tranquilizá-las. Passei a fazer cursos
da área, como Cuidados Paliativos, Luto, Cuidados psicológicos em emergências e
desastres, Tanatologia e especialidades que possam ser ferramentas de apoio para
pacientes, como arteterapia por exemplo.